quinta-feira, outubro 27, 2005

Vingança do Chinês

Acordam os membros do Kolectivo que a seguinte matéria é digna de apreciação e crítica:

1º. Com a data de 4 de Junho de 1988, foi proferido pelo Secretário Adjunto para a Administração e Justiça, no uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.° 141/87/M, de 7 de Novembro, o Despacho n.º 15/SAAJ/88, a seguir reproduzido:
«Considerando que o licenciado Alberto Bernardes Costa, director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, interveio junto do M.mo Juiz de instrução criminal Dr. José Manuel Celeiro Patrocínio, a quem fora distribuído o processo crime, em fase de instrução preparatória, instaurado contra os administradores da TDM-E. P: /S. A. R. L., detidos com prisão preventiva sem culpa formada na Cadeia Central de Macau, no sentido de o elucidar sobre os aspectos técnico-jurídicos e económicos do caso, e esclarecimentos que, em seu entender justificariam uma revisão da sua decisão ou decisões sobre a situação prisional dos arguidos e, eventualmente a sua cessação e subsequente soltura;
Considerando que o director do Gabinete dos Assuntos de Justiça intencionalmente manteve a respectiva tutela no total desconhecimento daquela sua iniciativa e dos respectivos resultados, os quais estiveram na origem de uma participação apresentada por aquele Mmo Juiz;
Considerando que o referido comportamento do – licenciado Alberto Bernardes Costa, independentemente da valoração disciplinar que pudesse vir a merecer, manifestamente afastada de modo grave a confiança pessoal; profissional e política da tutela no mesmo, não podendo deixar de afectar o prestígio e dignidade da Administração;
Considerando, por fim, as responsabilidades do cargo, que impõem o seu exercício com total isenção e lealdade;
Nestes termos determino:
No uso da delegação de competência conferida pela Portaria n.º 141/87/M de 7 de Novembro, e ao abrigo do disposto no n. 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 88/84/M, de 11 de Agosto, exonero o licenciado Alberto Bernardes Costa do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, com efeitos imediatos.»
;

2º. A fonte deste despacho é a transcrição que o próprio demitido faz dele em recurso aqui integralmente transposto e que consta da base de dados dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 1991, cujo sumário se encontra aqui disponível;

3º. O recurso apresentado, ao qual foi concedido provimento, recorre da forma de fundamentação do despacho de exoneração, nada esclarecendo quanto aos factos que estão por detrás do próprio despacho;

4º. Esses factos, que constam do relatório do inquérito subsquente, datado de 21 de Maio de 1988, são resumidamente os seguintes:
a) O demitido, no exercício das suas funções, abordou por duas vezes o juiz a quem foi distribuído um processo crime em fase de instrução preparatória com detidos em prisão preventiva;
b) Da primeira vez para obter informações relativamente ao referido processo;
c) Da segunda para procurar convencer o juiz a alterar a posição assumida no processo relativamente à situação de prisão preventiva dos arguidos;
d) O juiz considerou estas abordagens como indevida interferência e pressão na sua função judicial e comunicou o facto ao Secretário Adjunto para a Administração e Justiça;
e) No inquérito o demitido assumiu os factos mas arguiu ter agido por iniciativa própria, na qualidade de cidadão, e não nas funções oficiais, em defesa do bom nome de Portugal, etc.;
f) Por essa razão o relator, sublinhando embora a gravidade dos factos comunicados, considera que aquelas atenuantes retiram, a seu ver, coloratura disciplinar significativa à impropriedade das intervenções;
g) Face às conclusões propõe o arquivamento dos autos;

5º. As páginas relevantes do relatório de inquérito são aqui reproduzidas:
- Página inicial
- Antepenúltima página
- Penúltima página
- Última página

6º. Em 4 de Junho de 1988 o Governador de Macau exarou nos autos de inquérito o seguinte despacho:
«Tendo em conta os factos descritos no presente relatório, bem como os conclusões do Ex.mo Sr. Inquiridor, concordo que os mesmos não justificam procedimento disciplinar, quer quanto ao Dr. António Lamego, quer quanto ao Dr. Alberto Costa, pelo que determino que os presentes autos de inquérito seja arquivados»

7º. O despacho anterior, citado fora do contexto, não evidencia a gravidade dos factos: suficiente para justificar o procedimento disciplinar, pela tentativa de coagir um juiz, caso o inquirido não tivesse invocado a presunção de ter agido por iniciativa pessoal, como cidadão, em defesa do bom nome de Portugal, etc., e não nas funções oficiais;

8º. Ainda assim, perante o despacho da exoneração e pelo que se apura do relatório de inquérito, não fica dúvida quanto à real gravidade dos factos: suficiente para motivar a exoneração imediata;

9º. O processo crime em causa não era de menor importância, mas antes um de grande visibilidade e impacto onde foram arguidos personagens importantes, certamente capazes de moverem influências igualmente importantes;

10º. É no mínimo ingenuidade acreditar-se que o demitido pensasse que se podia dissociar das suas funções oficiais de Director do Gabinete dos Assuntos de Justiça, precisamente quando seria o peso desse mesmo cargo, e não a condição de simples cidadão, que lhe poderiam servir de mais valia nas suas pretensões;

11º. Estranha-se que o demitido achasse que podia elucidar um juiz sobre aspectos técnico-jurídicos e económicos de um caso a este distribuído. Mais ainda, pretender que esses esclarecimentos, em seu entender justificariam a revisão da decisão ou decisões desse juiz sobre a situação prisional de arguidos e, eventualmente, a sua cessação e subsquente soltura. Pretensão de esclarecimento essa que se aproximou muito, a ponto de ter confundido o próprio juiz objecto da pretensão, de uma eventual tentativa de interferência e pressão na sua função judicial, pelo que subsquentemente o juiz dela participou;

12º. Fica provado que o comportamento do demitido afectou de modo grave a confiança pessoal, profissional e política da tutela no mesmo, e que esse comportamento não pôde deixar de afectar o prestígio e dignidade da Administração;

13º. Também fica provado que o então Secretário Adjunto para a Administração e Justiça, José António Barreiros, considerou que as responsabilidades do cargo do demitido impunham o seu exercício com total isenção e lealdade, o que não estava a acontecer, e que portanto, independentemente da valoração disciplinar que o comportamento em causa pudesse vir a merecer, se justificava a sua exoneração imediata;


Fontes a consultar:
- Do "curriculum" do Ministro da Justiça
- Alberto Costa, Macau e a Independência dos Tribunais - I
- Alberto Costa, Macau e a Independência dos Tribunais - II
- Um pouco mais de verdade - Alberto Costa e a Independência dos Tribunais
- Relatório do Procurador-Geral Adjunto instrutor do processo mandado instaurar a Alberto Costa pelo Governador de Macau

Crítica:
Isto não são boatos, são factos:
- Ainda que o inquérito tenha sido arquivado, o Sr Alberto admitiu efectivamente ter tentado manipular a opinião de um juiz no exercício das suas funções;
- Mesmo que para isso se tenha escudado no "a bem da Nação" e preparado cuidadosamente o cenário para se safar no caso da coação dar para o torto.

O Sr Alberto desmentiu várias vezes a importância deste processo, classificando-o como um "equívoco" (grande equívoco). Na sua biografia/CV omite o cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça em Macau (mais um equívoco).

Agora, que é Ministro, desencadeia uma guerra surda contra o sector que tutela e a classe que o "equívocou". É a vingança do chinês...
Coincidências ou equívocos?

Demita-se Sr Alberto!
Está à espera de quê, do próximo 10 de Junho?
:-)


12 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Esta tendência de os srs. juízes tratarem as pessoas pelo primeiro nome e não pelo apelido é mais uma demonstração da falta de sentido de estado que têm das suas funções e responsabilidades. Ser juiz em Portgual é mesmo uma das coisas mais desprestigiantes que se pode fazer e em coisas como estas, a responsabilidade é mesmo apenas dos srs. magistrados.

28 outubro, 2005 18:04  
Anonymous Anónimo disse...

Magistrado humanum est...
... política é pra quem não quer (nem sabe) fazer a ponta dum corno.
Está tudo dito!

28 outubro, 2005 20:30  
Anonymous Anónimo disse...

Meretissimos Senhores ressabiados,

Para bem da vossa dignissima consciencia, deveriam refletir sobre o que escreve

"Bastas razões de vergonha

Miguel Sousa Tavares no Público de 2005-10-28

"Democraticamente" absolvida nas urnas, como era de esperar, a D.ª Fátima Felgueiras está agora em vias de se ver alijada dos seus problemas judiciais, como também era de esperar. A senhora merece que se lhe tire o chapéu: fez uma sábia gestão dos seus trunfos e dos seus timings e, entre a demissão cívica do seu povo e a demissão institucional da justiça, descobriu o caminho para a impunidade. "Dei uma lição ao país!", exclamou ela, triunfante, na noite de 9 de Outubro. E deu mesmo. A lição foi esta: o único crime que não se perdoa é o da falta de esperteza.
O Tribunal da Relação de Guimarães liquidou, de facto, o processo de Fátima Felgueiras, mandando refazer o essencial da instrução e, com isso, remetendo o julgamento para as calendas do ano vindouro. Os desembargadores de Guimarães entenderam que o Ministério Público e o juiz de instrução não fizeram senão asneiras na construção da acusação: as escutas telefónicas são ilegais porque o juiz não as foi validando dentro de "um prazo razoável", e os principais testemunhos acusatórios são nulos porque os depoentes foram ouvidos como testemunhas e não como arguidos, como o deveriam ter sido (e embora, posteriormente, ouvidos como arguidos, tenham confirmado o que haviam dito antes). Pouco importa, todavia, o conteúdo de umas e outras provas: para a justiça portuguesa, a fórmula é tudo, a substância é um estorvo.
Longe de mim - valha-me Deus! - contestar a lógica irrebatível dos argumentos dos senhores desembargadores de Guimarães. Limito-me a observar que uma magistratura passou aqui um atestado de incompetência à outra e que tudo se encaminha, uma vez mais, para que os formalismos processuais conduzam à denegação de justiça. Mas, juntas e unidas nas suas lamentações, ambas as magistraturas estão em greve contra o "desprestígio" que o Governo lança sobre elas.
Parece que a redução das férias de Verão dos magistrados de dois para um mês e a supressão do regime especial de saúde de que beneficiavam, em troca do regime geral, afectam gravemente as "condições de independência" da classe e indiciam mesmo uma tentativa de controlo político sobre a justiça. Ouvido pela TSF, o presidente do Sindicato dos Juízes, Baptista Coelho, esclareceu que, enquanto órgão de soberania, os magistrados se batem pela sua independência; e, enquanto "carreira profissional", estão em greve por condições privilegiadas de dependência do Estado. Fiquei esclarecido - como, aliás, fico sempre que o dr. Baptista Coelho e o dr. Cluny, do Sindicato do Ministério Público, expõem as suas razões. Talvez alguém com mais senso lhes devesse explicar que o país já não é assim tão estúpido quanto eles imaginam."


o resto é paleio de despeitado.

28 outubro, 2005 23:40  
Blogger João Carlos Mendes da Silva disse...

Este post contituí a "boa" informação, combatendo a "má" informação da comunicação social. Artigos como o referido no comentário que antecede, apenas revelam a tentativa desmedida de Miguel Sousa Tavares tentar ser popular, continuando a escrever uma colunas e quiça ganhar um belos trocos. Pena de quem lê, fica com deficiente percepção da realidade e mente distorcida.
É necessário repor a verdade e abater a demagogia.

29 outubro, 2005 00:46  
Blogger tovarisch Khrushchyov disse...

O Kolectivo analisou os factos, mais ou menos públicos, disponíveis na altura. Entretanto ontem "O Independente" publicou em 1ª mão uma entrevista com José António Barreiros em que este esclarece publicamente e pela primeira vez muitos dos contornos do caso. E é suficientemente revelador...

Mais dia menos dia também deve aparecer por aí o conteúdo integral do relatório do inquérito. Ouviu-se dizer que entre os media já há quem o tenha...

29 outubro, 2005 04:20  
Blogger tovarisch Khrushchyov disse...

A quem interessar, a referida entrevista de José António Barreiros ao "O Independente" está aqui transcrita na íntegra.

31 outubro, 2005 16:42  
Anonymous Anónimo disse...

Camaradas:

Neste momento de luta em que as forças reaccionárias do patronato mais empedernido e que habitualmente aportam à Praça do Comércio, se esforçam por transmitir ao nosso povo, as habituais mentiras para assim iludir os verdadeiros objectivos de classe que os animam, torna-se imperioso retomar as lides.

A luta continua! À escrita, já!

O controleiro.

31 outubro, 2005 19:45  
Anonymous Anónimo disse...

Pois é, senhores controleiros: fazer um blog é fácil, dar-lhe conteúdo e torná-lo legível e minimamente aceitável, é mais complicado.
Se não conseguem fazer mais do que isto, o melhor é encerrarem o blog.

03 novembro, 2005 10:15  
Anonymous Anónimo disse...

eh eh eh eh eh ...
já há pessoal a "PICAR-SE"...

05 novembro, 2005 19:06  
Anonymous Anónimo disse...

Caro controleiro,
Não estou nada picado com o seu blog.
Como Juiz, não gosto de ver os meus Colegas a fazerem certas figuras, mas se eles as quiserem fazer, que remédio, façam-nas.
Nunca na minha vida tratei alguém pelo primeiro nome em Tribunal.
Quando o senhor diz "demita-se, sr. Alberto", está a revelar um mundo de coisas sobre si próprio, como Juiz, e não sobre o "sr. Alberto" (por acaso discordo do 1º comentador, que diz que essa prática revela falta de sentido de Estado - eu acho é que revela falta de educação e de "savoir faire").
O Ministro Dr. Alberto Costa tem feito imensos disparates, tem revelado falta de sentido de Estado, tem procurado hostilizar as magistraturas e os profissionais de Direito em geral, tem contribuído para o drama estúpido das execuções paralisadas, tem aplicado uma política revanchista, demagógica, populista - sem dúvida nenhuma.
Mas não é por isso que tem que ser despromovido à condição de "sr. Alberto" - eu bem sei que ele nos tenta enxovalhar e humilhar, o que é indigno de um político que se preze; não aceito, como Juiz, cair no mesmo erro que ele, talvez por ser um Juiz da velha guarda habituado a respeitar e a ser respeitado.

06 novembro, 2005 21:08  
Blogger tovarisch Khrushchyov disse...

Face aos comentários anteriores o Kolectivo decidiu esclarecer o seguinte:

Neste post não foi nossa pretensão despromover o actual Ministro da Justiça através do uso de um tratamento menos próprio. Até porque, estamos convictos, pela sua actuação presente e passada, o próprio se vai encarregando disso sem necessitar de qualquer ajuda.

O tratamento pelo nome próprio decorreu naturalmente da familiaridade que os media nos dão hoje das personagens públicas, a ponto dos cidadãos se referirem a elas pelos nomes próprios. A maior parte dos Portugueses associará 'Sócrates' ao Primeiro Ministro e não ao filósofo, não estando nisto implícita qualquer despromoção do PM (quanto ao filósofo...).

É óbvio que a intenção subjacente ao tratamento 'familiar' não foi inocente. O post está dividido em duas partes e o tratamento 'familiar' aparece na parte da 'crítica', reforçando o carácter brejeiro desta por oposição à da 'apreciação', mais formal.

Isto não advém da 'tendência dos juízes tratarem as pessoas pelo primeiro nome'. Também não advém de qualquer falta de respeito por parte de qualquer juiz seja para com quem for. Provávelmente estas coisas também acontecerão, errare humanum est. Porém nos múltiplos contactos que temos com magistrados, sinceramente, foi o tipo de coisas que nunca encontrámos. Se há classes profissionais que ainda nos merecem todo o respeito, pelo seu esforço, dedicação e isenção, a dos magistrados está com certeza no topo.

De outra forma nem se justificava este blog. Contráriamente ao que o tema, nome ou forma dos posts possam fazer crer, não estão envolvidos no Kolectivo quaisquer juízes ou outros agentes da Justiça. Aliás, infelizmente nenhum dos 'membros' tem sequer formação na área de Direito, o que nos daria muito jeito: estão todos em profissões informáticas. Simplesmente são cidadãos atentos às questões da Justiça.

Mas muito atentos, vai para 20 anos que a profissão determina que sejam obrigados a acompanhar e a seguir de perto estas questões (e a formação dava aqui jeito). É por isso que muito nos escandaliza a imagem que se tenta colar agora aos agentes da Justiça: sabemos perfeitamente que não é verdadeira e é revoltante a forma demagógica como isso está a ser feito.

Tem-se a vantagem de, estando de fora, ter conhecimento suficiente do que se passa por dentro desta área e de como operam os vários intervenientes, inclusivé os políticos. Tem-se também a desvantagem absoluta de estar de fora. Esperamos que esta 'revelação' não demova os leitores, achamos os seus comentários muito estimulantes, mas isto não passa de um 'Kolectivo Popular': só apreciamos matérias de facto segundo os nossos próprios juízos arbitrários.

Quanto ao adjectivo 'controleiro' temos de ser honestos: nem tudo o que parece é. A imagem de marca é apenas isso, aproveitou-se um tema e umas personagens engraçadas, política à parte, mas nem tudo é apenas imagem de marca: controlamos efectivamente todos os acessos a este blog, tal como o fazemos em todos os blogs do 'Comité Central' apesar de tal apenas ser visível no Kremlin. Ficam guardados os IP, datas, horas e as páginas acedidas. Embora o que efectivamente se queira 'controlar' sejam apenas estatísticas de acesso, a bem do ego, achamos que deviam saber.

Posto isto, a questão do 'Sr Alberto' deve ter resultado, com certeza, da inexperiência do Kolectivo em 'terreno alheio'. Tomamos nota para o futuro e rectificamos aqui públicamente o lapso: donde se lê 'Sr Alberto' deve passar a ler-se 'Sr Alberto Costa'.

Quanto ao 'demita-se' achamos que deve manter-se, a bem da Justiça...

10 novembro, 2005 03:19  
Anonymous Anónimo disse...

Gostei da informação detalhada, a qual já referi no meu espaço, de uma forma mais desbragada. Se não for em blogs como este que se tratam das questões incómodas, onde será? Cumprimentos.

05 março, 2006 17:37  

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